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  • Foto do escritorChris Vilhena

Medicalização da vida

A quantidade de farmácias por metro quadrado nas principais cidades brasileiras não deixa dúvida: estamos medicalizando a vida. Alguns produtos, estrategicamente colocados na entrada, criam um clima de experiência comum e absolutamente natural. Mas, essa aparente normalidade, esconde ou procura nos desculpar daquilo que a aquisição de medicamentos revela: nossa intolerância com nossas próprias limitações.


Não me refiro aqui a um antibiótico prescrito por conta de uma infecção, medicamentos que procuram dar qualidade àqueles cujo tempo passado apresenta sua conta ou aos portadores de doenças crônicas. Aí cuidamos das doenças. Coloco em questão a medicalização da própria vida.


O que dizer das situações nas quais buscamos “auxílio” para ter mais energia e conseguir atender com êxito às demandas às quais nos sujeitamos? E daquelas quando a ajuda necessária é para desligar e poder dormir? Estamos ligando e desligando os disjuntores de nossos corpos, inteligência e vida psíquica em nome do quê, exatamente?


Certa vez, levei uma pancada da vida, daquelas que perdemos o chão. Precisava dar conta da situação e, ao mesmo tempo, trabalhar e cuidar de compromissos. Lembro de uma amiga dizendo, logo após ter perdido seus pais, o quanto era difícil ver as pessoas continuarem suas vidas. O entendimento de que o mundo não parava a despeito de sua profunda dor a fez compreender o que, mais cedo ou mais tarde, todos precisamos: somos sós em nossas dores.


Estava só na minha dor e recorri ao antidepressivo. Não conseguia dar conta da vida e apelei, tive, inclusive, uma crise moral por conta disso. Mas vivia uma angústia por conta da dor. Entendi, enfim, que era necessário. Agradeci à Medicina e à Farmacologia e, ao final do terceiro mês, já buscava outros recursos, além do terapêutico. Este processo trata justamente disso: identificar os nós e percorrer seus caminhos para afrouxá-los. Entender suas conexões para respirar um pouco mais aliviado. Não há magia. Eles não vão simplesmente desaparecer. Mas poder bem dizê-los é tomar acento no processo do próprio sofrimento para dali de dentro procurar a saída. E eu encontrei.


Talvez esse seja um bom ponto de reflexão: estamos tendo a devida consciência de nossos atos para termos algum limite com nossas decisões? Para além dos controladores de humores e estados emocionais, eliminadores de apetite e gordura, energéticos e relaxantes, existem outras ofertas. Terapias, meditações, reeducação alimentar, atividade física. Nada é mais poderoso e sustentável que nossa própria mudança de atitude frente a algum fato da vida que nos incomoda. Melhor do que medicalizá-la, é poder encará-la de frente.

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